quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Máscaras: O Chacal.


A guerra contra o sistema não termina. Inserção de vírus em sites corporativos, bugar a página de mais um órgão público, disponibilizar os dados pessoais de policiais na web. “Eles usam armas, nós usamos a mente”.

Ele é um soldado perfeito na luta contra o opressor. Usa as redes sociais pra eclodir a mensagem subversiva do caos, cita frases ou textos inteiros de pensadores do passado. Precisa conscientizar politicamente cada cidadão pois acredita que cada um é uma potencial arma contra o sistema.

Faz menos de um ano e sua vida tornara-se um turbilhão de acontecimentos. Saía às ruas todos os dias, era filho da geração cara-pintada, mas preferia usar no lugar da tinta uma agressiva máscara negra. Os tempos são outros e pra ele, mostrar a cara consternada não fazia parte dessa nova faceta de revolucionários. Escondia o rosto mas gritava a plenos pulmões frases de ordem. Meses a fio de articulações políticas, alianças boas e más, quebra-quebra e agito rendeu ao seu grupo o apelido de Black Blocs, em referência aos grupos do passado.
Os dias reclusos, quase trancafiado, tinham obviamente um claro propósito. Ou quem sabe exista um real propósito por trás da imagem de protestante?
O sol brilhava e estava há tempo demais atrás do PC. Dia realmente lindo com clima ameno, convidativo ao extremo. Mas não era o ar puro ou a possibilidade de curtir a cidade pela qual lutara que lhe impulsionava a sair, mas sim seus desejos, suas ‘necessidades’.
Como cidadão qualquer transitava quase camuflado entre a turba que marcha em luta inglória no dia-a-dia. Cada rosto despido e anônimo, esconde também uma personalidade única. Em seu caso era ainda pior. Nas veias correm sangue vermelho como com qualquer um, mas sua mente doente elabora mais uma ‘vingança’.
É meio-dia e como sempre centenas de adolescentes e crianças caminham nessas ruas em direção ao prédio antigo, muito semelhante aos palácios neoclássicos que nessa cidade habitam hoje gabinetes e repartições públicas. Assim era outrora projetada cada escola, espaços que não visavam exatamente dar lugar à efervescência comum que compreende o comportamento dos jovens, mas sim amplos salões quase sempre arejados por janelões de madeira-de-lei, donde o conhecimento não deveria escapar.
Ah, os janelões,que aliados! Se não fosse por eles como poderia mesmo de fora dos limites dos muros contemplar tão visão?
Peles tenras, olhos distraídos, rostos tímidos, mentes frescas... apenas crianças aos olhos da grande maioria, mas não aos olhos dele. Fitava contornos, imaginava corpos despidos, tinha sede de contato. Hoje seria o dia de observar entradas e saídas, horários e possibilidades nessa louca rotina escolar. Como animal a caça sua mente suja enxerga em crianças seu prazer, sua luxúria.

São agora quase seis da tarde, está escurecendo mais cedo hoje e embora ele saiba que não seria o melhor momento para agir segundo seu metódico modus operandi, pois o tempo de observação fora pouco, mal consegue se conter. Os dias trancafiado em casa lhe forneciam a loucura necessária, a coragem na medida e a motivação certa!
Nota rapaz de não mais de 15 anos andando timidamente e sozinho, agarrado a um livro de história com a mochila colorida jogada apenas num dos lados dos ombros.
-Oi...
-Opa, tranquilo?
-Beleza. Sozinho?
O rapaz não sabe se mente e diz que encontrará seu pai na próxima esquina ou se lhe é verdadeiro e diz que está só. Quem sabe a imagem de 'gente boa' o tenha impelido a dizer;
-Tô... vou sempre a pé, moro perto.
-Ah sim... aí, cê tá aqui faz pouco tempo, né? Anda sozinho mesmo assim no meio do ano?
-Pois é, não sou lá muito bom de fazer amizades quando depende de mim. Sou tímido.
-Então ainda não deve ter ouvido falar de mim por aqui, sou tipo um caça-taletos e agência de propaganda em que trabalho precisa sempre de caras novas, assim como você. Acho que seu perfil seria perfeito!
-Perfil? Indaga o garoto interessado...
-Sim... embora você seja um tipo mais comum, tem um visual legal, boa altura e tenho certeza que tem um sorriso expressivo... viu? Esse mesmo!
Ele agora não sabia mais se era a cara de ‘gente boa’, os elogios certeiros ou a oportunidade de deixar de ser mais um na multidão (sonho de cada adolescente – e muitos adultos) que o seduzira, mas sem perceber havia lhe dado seus endereços de e-mail, redes sociais e celular. O gentil desconhecido o advertiu a não contar nada pros seus pais ainda, já que ‘nada estava certo’, ainda viriam os ‘testes’ pela frente. Tudo soou absolutamente verossímil pro rapaz.
Despediram-se, ele com um aceno de cabeça e semi-sorriso e seu desconhecido ‘amigo’ com olhar perscrutador. Primeiro contato estabelecido com sucesso.
Volta a se trancar em casa e aciona sua parafernália de informática agora para observar também no ambiente virtual. O disfarce perfeito de lutador da liberdade, lhe confere álibis diversos juntos aos seus, tanto para manter todo aquele jeito secreto, como para possuir gigas e gigas de dados não checado em seus dispositivos. Fora que tal acesso e habilidade com as máquinas e sistemas lhe dava condições de apagar os rastros de seus crimes. A máscara perfeita que usa não é aquela que veste quando sai às ruas em protesto por um mundo melhor, mas a que mantém no resto de sua miserável vida.
 

Wendel Bernardes.



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