quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Avessos



Nasceu em família muito louca. Seus pais hippies viviam fazendo jus às filosofias transcendentais que ouviram a juventude inteira.  Ouviam de Deep Purple à Tropicália. Usavam cores diversas, cabelos compridos. Cultuavam a mãe terra e outras coisas ‘naturalistas’, se é que você me entende.

Ele parecia que fora lançado ali por ironia do destino. Usava roupas recatadas, cabelo curto e adorava televisão. Por conta da loucura dos pais às vezes ficava mais com seus avós. Quem sabe por conta disso seus gestos eram considerados retrógados, quadrados na ótica de seus pais, e também da galera da sua idade. Se ele não tivesse nascido em casa, pelas mãos de uma parteira (coisa da onda, mora?), jurariam que teria sido trocado na maternidade.

De propósito ou não passou a fazer tudo aquilo que seus pais bichos-grilos faziam, arrumou até uma religião convencional. Passou junto com vovô e vovó a participar das missas da paróquia do bairro. Os pais não estranharam tanto, afinal de tão diferente o moleque só poderia mesmo lhes fazer o caminho inverso.
Fez primeira comunhão, deu uma força uma época como coroinha e tempos depois, um pouco mais crescido, participava dos eventos realizados pela juventude. Tudo dentro dos conformes e preceitos da santa fé.

Foi mais ou menos nessa época que seus pais foram morar próximos a uma reserva indígena, bem longe da cidade, numa comunidade chamada Luz da Manhã, formada exclusivamente por gente ligada às filosofias orientais.
Ele ficou um pouco triste, nunca ficara tão longe de seus pais (mesmo que sempre houvesse um abismo entre eles), agora ele começou a sentir algo que nunca nutrira por eles: saudades profundas.

Sabe Deus se foi aí, ou por conta doutra coisa, resolveu se ligar ainda mais à fé. Entrou para o seminário e anos depois sagrou-se sacerdote. Depois do tempo de adaptação de costume, bateu no coração idéia, agora mais madura, de levar o amor e a fé na prática aos povos do interior.

Muitos juraram que não havia coincidência alguma quando o jovem padre fora parar justamente numa certa reserva indígena onde pelas redondezas ficava comunidade de filosofia transcendental.
Meses depois, com a coragem necessária e a saudade lhe apertando o peito, fora com coração de bandeirante, procurar seus pais por lá.

O que será aquela visão entrando pela cerca da Comunidade? Parece um padre... Será que resolveram lhes catequizar? O riso foi natural, mas certo casal emudeceu na hora ao notar a proximidade do padreco. Parecia-se demais com certo jovem que deixaram anos atrás na cidade grande.

Uns instantes se passaram até ficarem frente a frente. Os que estavam no entorno, perceberam a dramaticidade da cena.
Quase que no mesmo momento os três foram ao encontro mútuo num abraço completamente familiar.
Depois do susto habitual e da saudade morta naquele instante, se entreolharam com entendimento. Cada um entendeu que na vida decide-se o caminho a seguir e entender isso na trajetória de quem amamos faz toda a diferença.

Nunca falaram sobre ‘certo’ e ‘errado’, apenas se curtiram, se amaram e em benefício dos que lhe cercam até trabalharam juntos vez ou outra.
Utopia? Não, necessidade!

Wendel Bernardes.




domingo, 23 de dezembro de 2012

Desejos...



Aos que se iluminam nas festas,
Aos que delas se escondem por muitos motivos.

Aos que acreditam na magia,
Aos que insistem em negá-la.

Aos que gastam aos tubos,
Aos que usam o que têm.

Aos que aguardam pelos presentes,
Aos que precisam apenas de uma presença...

Aos que aguardam ansiosamente pelas badaladas dos sinos,
Aos que dormem profundamente ignorando os sons...

Desejo uma noite de Paz,
de Alegria, de encontro com quem se ama e muita,
muita Completitude!



quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Os Estranhos Opostos.





Eram completamente o oposto um do outro.
Ele vindo do subúrbio. Adorava futebol, pastel com caldo de cana, petisco no bar com a rapaziada, samba de roda e boemia.

Ela da Zona Sul, nível superior, Chico Buarque no player, voleibol na adolescência, chá com as amigas do novo curso de gastronomia que inventara. Recatada, fina, altiva, uma socialite.

Ele simples, quase rude. Fora mecânico, mas agora trabalha numa autopeças que com sacrifício abrira em seu bairro de origem. Melhorou um pouco de vida, porém a forma quase bárbara de atender aos seus clientes com a voz a plenos pulmões ainda o persegue. Quase um ogro.

Ela de voz mansa e suave, apenas elevou o tom de voz duas vezes em toda a sua vida. Quando por conta do parto natural de seus dois filhos pediu imperativamente que tudo terminasse logo. Sentir dor jamais! Mas o presente compensou; teve dois filhos lindos como ela mesma sempre diz.

Ele não levava desafio pra casa.
Xingava, gesticulava, perdia o amigo, mas nunca perdera uma boa briga. Parece que saía de casa armado até os dentes. Poderia surgir o Armageddon que estaria preparado. Bastava alguém lhe pisar o calo pra nova guerra mundial se estabelecer, e isso em qualquer lugar, porque macho que é macho mesmo defende sua moral não importa onde!

Ela era consciente de seus deveres e direitos, mas procura sempre resolver a tudo na diplomacia. Em alguns momentos até faz vista grossa pra coisa ou outra simplesmente pra não dar chance pra más conversações ou aborrecimentos desnecessários.

Ele sol, ela lua. Ele negro, ela branquinha. Ele azedo, ela uma doçura.
Eram completamente diferentes, estranhos um ao outro, opostos!
Eram opostos complementares....
Um casal...

Wendel Bernardes.


sábado, 1 de dezembro de 2012

Mentiras Sinceras...

Era um jovem um tanto tímido na presença da família, mas com as pessoas certas ele ficava mais a vontade. Ria, brincava, até vez ou outra, conseguia ser o centro das atenções. Algumas vezes recatado, outras vezes afogueado. Bom, isso é completamente normal em todos nós, não? Existem momentos em que somos assim, noutros somos assado. Porém no caso dele tudo era mais complexo. Não conseguia dizer sim, mal poderia dizer não!


É que ao longo do tempo foi conhecendo pessoas ótimas, mas com personalidades muito distintas e as queria inteiras em sua vida. Bem... Muito embora soubesse que algumas pessoas não poderiam ‘conviver com outras’. Iguais a alguns pensamentos, algumas posturas, ainda assim agregava-as como colecionista. Como num erro patológico!

Certa vez ouviu não sabe bem onde que se “dependesse dele, deveria manter a paz com todos”. Mas creio que ele não entendera muito bem a essência do que essa frase quisera dizer. Por conta disso assumiu uma postura muito impessoal, porém fez dela sua bandeira, e inacreditavelmente conseguiu sintetizar isso em si mesmo. Acendia uma vela pra Deus, outra pro demônio!

Evitava assuntos polêmicos, sorria sempre pra todos, com uns era quase um palhaço, mas com outros passava a imagem de responsável, maduro, centrado, focado... Contradição ambulante.

Mas quem o conhecia de verdade sabia de suas fachadas, de seus medos, de seus demônios interiores e quais sorrisos eram verdadeiros e quais sorrisos eram maquiagem. Era um grupo seleto, talvez duas, três pessoas. E mesmo dentro delas talvez apenas um o conhecia melhor. Claro que dele não escondia nada, nem se quisesse, mas era como que algo a consenso, pois todos somos produtos do meio onde vivemos e eles entendiam bem o que isso significava.

Passou a ser muito difícil de sobreviver, a vida passou a ser uma mentira. Pelo menos uma mentira na maior parte do tempo. Em alguns momentos poderia ser ele mesmo, mesmo que isso durasse apenas uma meia hora por dia, às vezes durava um pouco mais, mas lhe bastava. Era a cura da utopia.

Até o dia em que algo lhe venceu. Desistiu de viver sua vida em gotas e decidiu mergulhar no oceano que era sua atuação. Não mais gotas dele mesmo, mas agora um mar de sorrisos constantes. Permitiu-se apenas agora se analisar quando as luzes se apagam e quando põe a cabeça no travesseiro. Já não sabia mais se a mentira era a verdade, ou se a verdade sempre fora uma utopia. Atuara tanto, que o papel da sua vida lhe cobrara os prêmios que sua atuação lhe trouxe.

Mudou, mas não sabe bem de nada ainda.
Não sabe o que essas decisões lhe trarão.
Não sabe se será feliz sendo quem os outros querem que ele seja (e que ele acredita ser), ou se poderá conviver com um buraco em seu peito, com a morte de alguém que se foi...
Quem se foi?
Ele mesmo!

Wendel Bernardes.